Publicada em 05/08/2024

Fundos de Investimento em pauta no âmbito administrativo e no judiciário

Foi publicada uma das primeiras decisões sobre a aplicação do "come-cotas" no estoque de rendimentos dos fundos de condomínio fechado, introduzido pela Lei 14.754/23. Além disso, também foram publicadas decisões administrativas sobre os limites do planejamento tributário com base na utilização de fundos de investimento. Veja abaixo os detalhes e principais pontos das decisões sobre os assuntos.

Contexto sobre o come-cotas e o estoque de rendimentos

A implementação do regime de come-cotas para fundos de condomínio fechado tem causado efeitos significativos no planejamento financeiro e tributário de muitos investidores. Isso ocorre porque, no passado, o pagamento do IRRF ocorria apenas na distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou venda de cotas à alíquota progressiva de 22,5% a 15%, conforme o prazo de investimento.

Com a publicação da Lei nº 14.754/2023, a tributação semestral periódica antecipada, comumente chamada de "come-cotas", passou a ser aplicável aos fundos de condomínio fechado. Além disso, a Lei também prevê a aplicação do come-cotas sobre o montante acumulado de rendimentos até 31/12/2023, ou seja, os rendimentos gerados em períodos passados (i.e., estoque de rendimentos).

Alguns contribuintes ingressaram com medidas judiciais alegando que a aplicação retroativa do come-cotas seria inconstitucional.

Decisão sobre a aplicação retroativa do come-cotas

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região deferiu medida liminar para determinar a suspensão da exigibilidade do come-cotas incidente sobre o estoque de rendimentos.

O Tribunal decidiu que a Lei nº 14.754/23, que determinou a incidência do come-cotas sobre os estoques dos fundos, não respeitou o princípio constitucional da irretroatividade (art. 150, III, "a"). Como a nova lei passou a produzir efeitos apenas a partir de 01/01/2024, não seria possível incidir sobre os rendimentos auferidos até 31/12/2023, pois os fatos geradores ocorreram antes de sua vigência (Processo: 5014051-66.2024.4.03.6100).

Ainda serão analisados com maiores detalhes os argumentos apresentados pelo contribuinte, e o despacho que suspendeu a exigibilidade do come-cotas pode ser revertido. Ainda assim, trata-se de um precedente importante na avaliação da constitucionalidade do come-cotas sobre os estoques de rendimento.

Atenção: o come-cotas sobre o estoque deveria ter sido pago até o final do mês de maio de 2024. Caso o pagamento do imposto tenha ocorrido, o contribuinte somente pagará imposto sobre os rendimentos produzidos a partir de 01/01/2024. Assim, o ingresso de ação judicial após o pagamento do imposto poderia apenas debater eventual restituição/compensação do imposto retido antecipadamente, sendo que esse imposto será devido quando do resgate do investimento, isto é, teria apenas o efeito de diferimento da saída de caixa.

DECISÕES ADMINISTRATIVAS SOBRE PLANEJAMENTOS TRIBUTÁRIOS ENVOLVENDO FUNDOS
Planejamento tributário com FIDC e cessão de recebíveis (Acórdão 1402-006.730 - CARF)
Em decisão publicada em junho de 2024, a 2ª Turma do CARF analisou, entre outros assuntos, a cessão de direitos para um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios ("FIDC"). O contribuinte detinha direitos creditórios estimados em R$ 1 bilhão decorrentes de discussões judiciais e procedimentos arbitrais.

Em regra, esses valores não poderiam ser registrados como ativos no balanço da empresa. Assim, foi realizada a cessão desses direitos para um FIDC e, em troca, a empresa recebeu cotas representando a maior parte do capital do FIDC. O registro das cotas no ativo teve como contrapartida uma conta no patrimônio líquido (i.e., ágio na subscrição de "ações").

No auto de infração, um dos itens questionados é o acréscimo patrimonial sem reconhecimento de receita tributável. O entendimento da Delegacia da Receita foi mantido pelo CARF no sentido de tributar o aumento patrimonial. Vale ressaltar que a constituição do FIDC não foi desconsiderada pelos conselheiros. Contudo, foi decidido que a cessão de direitos que resultou no recebimento de cotas do FIDC representou um acréscimo patrimonial tributável.

Por fim, o contribuinte ainda discutiu a aplicação do método de equivalência patrimonial ("MEP") sobre os resultados do FIDC sob o argumento que detém controle/influência significativa sobre o fundo. A decisão explora que os fundos de investimento não são equiparados às pessoas jurídicas e, por isso, não seria possível aplicar o MEP. A aplicação do MEP representaria o reconhecimento de um resultado não tributável, o que poderia diferir a tributação de eventuais receitas do FIDC.

Planejamento Tributário com FII (Acórdão 2301-011.267 - CARF)

A 1ª Turma do CARF desconsiderou a existência do Fundo de Investimento Imobiliário ("FII"). No caso, entendeu que a reorganização societária que transferiu imóveis de pessoas jurídicas para um FII e diferiu a tributação das receitas de aluguel desses imóveis, como uma operação simulada cujo único intuito é a redução/diferimento da tributação. Assim, está sendo exigido do contribuinte os tributos sobre os aluguéis recebidos pelo FII como se tivessem sido recebidos diretamente pela pessoa física, cotista exclusivo do FII.

Para classificar a reorganização societária como simulada e o planejamento tributário como abusivo, foram ressaltados os seguintes aspectos:

(i)             falta de captação de recursos no mercado, pois o FII foi constituído por um único cotista;

(ii)            (ii) a realização de operações circulares entre o fundo, seu cotista exclusivo e a empresa que detinha os imóveis anteriormente (i.e., controlada pelo cotista exclusivo do FII); e

(iii)          (iii) transferência de imóveis para o FII através de reorganização societária, sem movimentação financeira.

Atenção: as recentes decisões acima ressaltam que as autoridades fiscais estão cada vez mais debruçadas sobre os planejamentos tributários envolvendo fundos de investimento. Os fundos, por possuírem a capacidade de diferir ou, até mesmo, isentar rendimentos, devem ser constituídos com propósitos além da economia tributária.

Embora não esteja positivado no ordenamento jurídico nacional, o conceito de substância econômica e propósito negocial é ponderado para decidir a validade dos planejamentos tributários.

Por isso, é preciso que os planejamentos possuam outros intuitos que não, exclusivamente, a economia tributária. Por fim, os precedentes acima também denotam a importância da operacionalização das etapas dos planejamentos tributários tanto nos atos societários que os efetivam quanto na correta contabilização dos seus efeitos, pois essas etapas também poderão servir de amparo em eventual questionamento das autoridades fiscais.

Nossa equipe tributária está à disposição para avaliar eventuais oportunidades e fornecer maiores detalhes sobre os possíveis impactos dessas decisões.

Juan Mendez, Thiago Vasques, Thiago Gatto e Giulia Loffreda

 

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